A programação oficial seguia com concertos e apresentações de grupos. Mas o cansaço bateu e a vontade de voltar para o anonimato também. Trem, Pádua, casa.
Dia seguinte, 15 de fevereiro. Ao meio-dia chegamos à praça para ver a “descida do anjo”. Não sei bem do que se trata, mas parece que é um dos pontos altos da festa. Literalmente, pois é a descida de um “anjo” preso num cabo de aço, do alto de uma torre até outra extremidade. Deve ter um sentido histórico relevante, por que a cena em si não tem nada demais. E aí, mais fantasias exuberantes e mais coisas para ver. Em resumo: é isso o carnaval de Veneza. Beleza para ser vista.
Mas, voltando ao ponto inicial desta conversa, retomando a festa soteropolitana como a outra referência, o carnaval de Veneza ocupa o espaço da rua como Salvador, mas é de fato, mais contemplativo, como o carioca. É como se percorrêssemos o circuito Sambódromo-Campo Grande para chegar na praça italiana. Nas ruas não têm música e nem bebidas alcoólicas. Não se dança, desfila. Não se canta, conversa. Não se beija, olha-se.
E o carnaval de Salvador? Aí é de fato um outro carnaval onde a organização é voltada para a participação, mesmo com toda a reprodução dos desníveis sociais presente nos demais dias do ano, onde conforto e as condições de participação na festa dependem do dinheiro que você pode e quer investir.
Mas, entre camarotes e pipocas - foliões que pulam sem pagar para sair dentro dos blocos baianos - a programação de todos está voltada para a realização das sensações corporais do toque, do paladar, do escutar, do rebolar, do misturar-se, do enlouquecer-se e não da distinção entre o que é apresentado e a platéia. Esta divisão não é a vedete do carnaval baiano, mesmo tendo alguns momentos para a contemplação.
A relação com o desfrute dos dias que antecedem a quaresma é vivida com mais avidez em Salvador. Em Veneza, o consumo de bebida alcoólica fica restrito aos bares. Em Salvador basta dar alguns passos que ao teu lado tem uma caixa de isopor com cerveja geladinha. Esta relação com o álcool deriva numa outra diferença de comportamento: o álcool potencializa a coragem para a efetivação dos desejos, então, vale a carne, o consumo, o beber, o comer que em muitas vezes não se restringe a ingestão de alimentos, pois, para quem quer, pode se estender para as esferas amorosas, mesmo que furtivas.
A conotação sexual mais evidente que encontrei em Veneza foi uma pessoa fantasiada de padre com um objeto fálico na mão, um pênis mesmo.
O caráter crítico, subversivo e transgressor dos tradicionais folguedos da Idade Média já não dá o ar da graça com muita freqüência nos dois carnavais. No de Salvador ainda se encontra raramente em blocos de protesto como o Mudança do Garcia, nos travestis e em algumas fantasias. Em Veneza, talvez, apareça na possibilidade de qualquer mortal poder ser nobre. Basta se vestir e sair nas ruas que a plebe fotografará suas poses. A transgressão, a irreverência e a subversão venezianas ficam no poder ser o que não é ou evidenciar o que cada um gostaria de ser, ao menos, momentaneamente. Já em Salvador é poder fazer boa parte do que se quer, sem muita culpa ou julgamentos.
Ao estar diante de comparações, corremos o risco de julgar para escolher. E algumas pessoas me fizeram esta proposição. Claro que o meu conhecimento do carnaval veneziano ainda é muito superficial. A minha experiência foi curta. Já no carnaval baiano sou bastante familiarizada. São dois pesos e duas medidas...
Acho que precisaria conhecer, viver mais. Se vocês quiserem fazer um novo investimento, eu ficaria muito contente em dividir o meu carnaval 2010 em dois lados: norte e sul do Equador, Salvador, Veneza... E aí quem sabe escolher meus carnavais. Com pecados e com juízo.
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